PENSAMENTO DO DIA

"A arte, meus amigos, não é um espelho do mundo, é sim, uma ferramenta para consertá-lo." (Vladimir Maiakovski)

REFLEXÃO

"Eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata. (Drummond de Andrade)

31 de agosto de 2010

FLORES NA JANELA (Cacau Loureiro)

Enquanto colocava minhas flores na janela,
lembrei-me de que um dia disseram-me algo assim:
“que as pessoas que passam por nós não vão sós,
deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”
Nessa melancólica recordação reavivo tantos
pedaços, muitos laços que ainda não desatei,
tantos lapsos do que vivi. Amargas lembranças?!
Não, ainda não sei, ainda não me desfiz das
coisas com as quais me encantei.
Amarguei despedidas, vontades tolhidas,
misturei o fel e o mel, gosto peculiar das coisas
que eu não provei.
Vociferei meus versos audazes em papeis rosas
de amor. Silenciei versos fugazes em rimas doídas.
Palavras... palavras... todas, tolas, dardos tantos
de dor.
E assim me refugiei em Bandeira, evadi-me em
Clarice, mas, sou alma, sou corpo e sou pele,
somente na sonhadora Meireles.
O que serão meus versos... verdades?! Tolices?!
O meu suposto perfil minha alma desmente,
sou profusa no todo que escrevo... sou autêntica
naquilo que quero. Meu sonho itinerante, romântico,
é réu confesso.
Vou voando em firmamentos múltiplos, lenços muitos,
nenhum documento, valsas lindas de despedidas dos
portos que jamais me retirei... Se sofri? Não, ainda não
sei...! Ainda acredito na lenda do final do arco-íris, no
mito da caixa de Pandora, no nascer de novas auroras...
Cinderelas, príncipes e reis...
Fui mulher, menina, perdida; fui melhor um dia, talvez...
Aguardo o final desta guerra, pois ninguém sabe dos
embates que já travei, das batalhas as quais sobrevivi,
das lutas que perdi, das lutas que ganhei; e que ninguém
duvide, dos inimigos que não matei.
De tudo nesta vida, do amargo ao doce eu provei; vou
singrando os mares da alma, emergindo dos pantanais;
meus males, amigo, ainda infindos, como os versos que
rimei. O pranto deu gosto aos meus dias e o sal desta
terra eu provei... minhas mágoas irrigaram-me o espírito,
deram-me versos que jamais tecerei...
Nos espinhos eu vislumbrei as flores, tantas flores...
Flores tantas, de cores que jamais me deparei...
Dou-te as flores da esperança, colhidas por mãos de
criança, nos campos por onde te esperei...

26 de agosto de 2010

SALMO VIGÉSIMO SEXTO (Cacau Loureiro)


Clamemos ao Deus vivo, porque só o sangue
de seu cordeiro é transformador.
Por isto deito a minha alma em seu sangue redentor
para purificar meu coração desapontado.
Não há refúgio mais seguro do que nos altos
montes do Senhor, não há dossel mais quente
do que nas tendas do Senhor.
O homem que é surdo e cego aos ensinamentos
do Pai, torna suas próprias mãos injustas, o seu
peito abatido, suas palavras venenosas e a sua
alma insensata.
Nas paragens do Senhor eu irrigo minha esperança
e colho minha fé como fruto saboroso jamais na
terra cultivado, porque acima do Eterno, ninguém!
Cresçamos diante do inimigo com a arma poderosa
da pureza, pois que justiça e a paz tornam o homem
laborioso e devotado, porque para o justo não existe
infinda noite nem sofrimento eterno.
Não foge do baraço do Portentoso o que causa malefício
ao probo, porque o homem legitimado perante os céus
é feixe luminoso na luz eterna da verdade.
O que labora na boa seara não cruza os braços diante
da pesada charrua, rasga a leiva sob cânticos de alegria.
O Grande Justo convida-nos à Sua mesa, e por Ele será
saciado em pão e azeite, porque o amor não deverá ser
retido como água estagnada.
No coração de cada filho ele pôs um pequeníssimo grão
de mostarda que nalgum dia romperá com toda força
do Divino. O filho amado, o mestre e irmão quebrará
todas as correntes que aprisionam seus filhos pródigos,
rasgará os livros da humana escravidão, queimará as redes
onde nos tocaiam os inimigos, silenciará das praças as
querelas mentirosas, trará a justiça como uma erupção.
Aguardo com paciência no Senhor, por que somente a Ele
eu prometi o meu destino.
Confio Naquele que aponta do mais alto cume da Terra
as pastagens das ovelhas desgarradas e nos promete a
Sua eterna Salvação. Assim seja!

23 de agosto de 2010

ERRÁTICO (Cacau Loureiro)

O silêncio das palavras permanece nos lábios,
como um grito selado pela ausência...
Não há retorno para os caminhos ultrapassados,
nem saída para os becos onde vivem os encolhidos
de alma.
É preciso expandir o coração para o universo
incomensurável do divino e não apenas abrir
os olhos para o mundo dos homens restritos.
O meu voo dá-me mais que dois olhos aguçados,
há um arco-íris que brota do meu peito que ainda
acredita num amanhã de flores perfumadas.
Eu vi no espelho do mundo horrendas imagens,
e eu olhei para mim mesma com o ímpeto da
transformação que liberta.
Toda mudança é lento e doloroso processo, porém,
não mais do que para aqueles que a assiste.
Sou reles mortal neste absurdo mundo, mas, para
os que não edificaram em minha vida, eu vou
rompendo os laços, eu vou deixando ao léu, eu
esqueço à beira do caminho...

19 de agosto de 2010

VATE (Cacau Loureiro)


Busco em tua imagem distante
a inspiração nestes dias de mim
tão ausente.
A tarde é morna e nebulosa;
a tarde é longa e exasperante...
Intrigante é aspirar teus ares,
voar em tuas asas de aedo.
Em meu imenso azul és solitário
pássaro a planar sob as nuvens
de minha alma itinerante.
Calada, permaneço, quando minha
verve é distintamente loquaz,
entusiasta, versada.
Não sei sobre tudo, mas, ora sei
que não me bastam as palavras.
Quero permitir-me em tuas mãos,
revigorar-me em teus lábios
ardentes, aquecer-te com minha
pele calorosa, tocar-te agudamente
o espírito persistente, onisciente.
Há urgência em meu corpo...
O meu instinto ariano grita combativo,
contundente.
Conto amargamente o tempo lento,
irritante.
Sim, eu quero... deitar-me calma em
teu leito e repartir singularmente o
que sobeja em meu sequioso peito.

15 de agosto de 2010

FILIGRANA (Cacau Loureiro)

PARA CLÁUDIO
Tarjei meu amor no
tempo, no espaço,
como nos versos que
deveras escrevo.
Em minhas mãos,
em nossas vidas,
a efígie do afeto,
determinismo, destino.
Unidos como peças de
encaixe, alcançamos os
mais precioso desejos.
Em nossas mãos, em
nossas almas, a mais
delicada obra, o mais
refinado timbre,
filigrana feita de
amor e paz.

14 de agosto de 2010

VELHA INFÂNCIA (Cacau Loureiro)

Quando eu era ainda pequenina,
quando as meninas dos meus olhos
sonhadoras, fitavam o céu e o mar
como promessa, eu sentia a vida
tão vertente no cheiro das flores
das paineiras que acarpetavam o
meu quintal todo de rosa, colorindo
a minha alma fantasiosa nas manhãs
de aragem fresca de outono.
Hoje, ainda fito da janela a mesma
paisagem que outrora desvendei...
A serra distante, neblinada descaindo
em ondas verdes sobre as casas,
cromatizando ainda de certa forma
a minha alma hoje desfigurada.
Criança... na franqueza clara do
teu riso eu louvo a vida, porque
vida eu vejo em ti, nos teus olhos
eu vejo a esperança aclamar a
liberdade do ser, do viver para
germinar, do sonhar com um porvir
colorido, muito mais multicor do
que os desenhos que pintei...
E ainda constato, como ontem que
é preciso caminhar de encontro à
velha infância, do que fomos e somos,
que é preciso acreditar no cheiro
das flores, na inocência dos homens,
na sorte das crianças, e na coragem
que nos incentiva a caminhar, apesar
de tudo, de encontro ao futuro!

6 de agosto de 2010

SALMO VIGÉSIMO QUINTO (Cacau Loureiro)


Senhor, aparta-nos da amargura, limpa
os nossos olhos, esgota-nos o fel.
Traz-nos bálsamo com a tua bondosa
santidade, pois temos andado à beira do
caminho e não mais avistamos os teus
verdes pastos.
Sinaliza-nos com o teu cajado para que
reconheçamos a renovadora esperança.
Pai, toca nossos corações para que a nossa
sensibilidade não esmoreça ante os ímpios.
Mostra-nos o caminho das tuas águas tranqüilas,
espraia a tua divina luz sobre as sombras em
que se fecharam nossos corações insurretos.
Esmaga com as tuas mãos poderosas a dureza
deste mundo aflito e afeito as coisas vãs.
Derrama a esperança sobre os perdidos e
mansuetude sobre os amargos desta terra.
Dá-nos de beber o teu leite farto de benesses;
Oh Eterno, tem misericórdia de nós!
Amansa oh Excelso, os nossos corações
selvagens com tua real e soberana gentileza!
Oh, Mestre, oferta-nos as tuas consolações,
porque caminhamos com sede de justiça.
Mostra-nos a tua libertadora verdade com
o teu manso olhar, com o teu maior amor
que nos é convencimento e entusiasmo.
Estanca nossos prantos que há milênios
abrem sulcos em tuas terras infindas e
feridas fétidas em nossos peitos duros.
Temos suplicado pela confraternização
e pela concórdia entre os homens, contudo
somos rebeldes para com as tuas eternas
palavras, avessos ás tuas verdades perpétuas.
Sacode-nos oh Pai, desperta-nos, oh Pai, para
a fé no futuro, acorda-nos para o trabalho para
o qual Tu nos chama hoje para o profícuo

enriquecimento de Tua seara de paz!...

5 de agosto de 2010

FACE A FACE (Cacau Loureiro)

Talvez eu viva de arrependimentos, não
de remorsos, pois na seara dos bons a
dor é polimento, é remédio, é cura.
Mas, a vida não se integra nos fracos,
apesar do jugo leve, a coragem para
viver não é para qualquer um, mas ainda
há que se guardar a ternura.
Meus olhos veem, meus ouvidos ouvem
e a trava hoje não está mais na visão de quem
olha, está no peito de quem não sente e não vê
com os olhos do espírito...
A pedra é dura... e eu sei que as águas gastam
as pedras, embora elas mudem de lugar, o limo
ainda as encrosta de soberba, de orgulho.
Pior do que travar a luta e omitir-se aos fatos,
pior do que tomar partido é ser partidarista.
Mas, o coração dos limpos é campo de batalha
e de vitórias, não há como soçobrar-lhe.
Ainda que eu falasse a língua dos homens
ainda assim eu seria um estrangeiro.
Este mundo em que eu vivo está longe do
mundo que almejo, e muito aquém do mundo
que eu sonho!...

2 de agosto de 2010

INUMANO (Cacau Loureiro)


Cerro meus olhos para o passado,
lembranças são facas que ferem...
Há sonhos dilacerados pela distância,
há os corações inertes e vazios...
Há cílios molhados.
Em fio fino equilibra-se o amor dos
superficiais, e nem sempre o maior
sentimento é o bastante para agüentar
as agruras da ingratidão.
A sombra da desilusão vem de mansinho,
não faz alarde, e assim corrompe todos
os sentidos, deforma a esperança, faz
florescer o egoísmo; transfigura rosas
em espinhos, converte dádiva em maldição.
As águas sob os moinhos envelhecem,
estagnadas pelo falso amor, pelas
dissimulações, pelo desinteresse,
pela face mascarada dos insensíveis.
Pois que caiam as máscaras!...
Arrebentar os laços só dói para aquele
que os edificou.
Um dia as águas gastarão as pedras,
um dia os homens entenderão além
do tempo presente.
Um dia os homens tornar-se-ão humanos...
Ou passarão... Mas, eu, passarinho!